domingo, 27 de julho de 2014

Revisitando o tema da Criminalização (Parte 1)


(Artigo de Opinião)
 

No dia 25 de Julho de 2014 pelas 14 horas a Assembleia da República aprovou, por maioria, o texto que, após promulgação pelo Presidente da República, se constituirá em Lei que modificará o enquadramento legal dos maus tratos sobre animais de companhia.
Depois de várias intervenções e alterações às propostas iniciais, apresentadas por dois grupos parlamentares, e aprovadas na generalidade em Dezembro de 2013, o articulado final do documento aprovado, com 4 artigos, incide directamente sobre duas peças legislativas existentes: o Código Penal e a Lei 92/95 de 12 de Setembro.
 
Durante todo o período de discussão levantaram-se críticas, muitas vezes com fundamentos opostos. Apesar disso fica a ideia que a sociedade civil concorda com a criminalização dos maus tratos sobre animais de companhia, com a introdução da pena de prisão para este tipo de ilícitos e que este enquadramento é uma necessidade de uma sociedade moderna. Há também a noção que a legislação é dinâmica e que é passível de ser modelada ao longo do tempo, como de resto se verifica no próprio Código Penal português com as sucessivas alterações e inserções.
 
Olhando para o articulado na nova lei (ver abaixo a redacção final) um pouco mais detalhadamente:
 
O aditamento ao Código Penal (CP) implica a inserção de um novo TÍTULO, o VI, dedicado aos animais de companhia.
Actualmente o CP tem no seu 2º Livro (designado como Parte Especial), cinco títulos (crimes contra as pessoas, crimes contra o património, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, crimes contra a vida em sociedade e crimes contra o estado). De notar que no Título IV, dos crimes contra a vida em sociedade, tem no seu Capítulo III (dos crimes de perigo comum) vários artigos relacionados com a natureza e ambiente (nomeadamente 274º, 278º, 279º e 279º-A, 280º, 281º) onde são referidos, de algum modo, animais.
Atendendo à crítica que a introdução deste novo título cria uma assimetria estrutural no código, poderemos concordar, mas por via da assimetria já existente, que relega para artigos, secções e capítulos dispersos algo que, actualmente são pontos essenciais das sociedades modernas, a Natureza e o Ambiente, consignados inclusivamente na Constituição da República Portuguesa (VII Revisão Constitucional, 2005) no seu artigo 66º (Ambiente e qualidade de vida) que refere no seu ponto 1 “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
Deste modo, parece um ponto de partida interessante a criação de um título no CP dedicado a animais de companhia, como primeira pedra de uma restruturação que dê ao Ambiente e Natureza o relevo que deve ter, a exemplo aliás do que acontece noutros países, amiúde citados como modelo para esta alteração.
Claro que os animais de companhia, na sua esmagadora maioria canídeos e felídeos domésticos, são muito mais, para os seus detentores e sociedade em geral, do que simples “coisas da natureza”, já que o vínculo que se estabelece entre os humanos e estes animais domésticos, ultrapassa em muito a esfera do físico e palpável, do dever e do direito, são muitas vezes componentes essenciais de uma vida saudável, no campo dos afectos e equilíbrio emocional.
 
 
A redacção final, tal como foi aprovada na especialidade e aceite pelo plenário, será a seguinte:
 
Artigo 1º - Aditamento ao Código Penal
É aditado ao Código penal (…) o novo TÍTULO VI, designado “Dos crimes contra animais de companhia”, composto pelos artigos 387º a 389º, com a seguinte redacção:

“Título VI – Dos crimes contra animais de companhia
Artigo 387º
Maus tratos a animais de companhia

1 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias

2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou afectação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. 

Artigo 388º
Abandono de animais de companhia

Quem, tendo o dever de guardar vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação d cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou pena de multa até 60 dias.
 

Artigo 389º
Conceito de Animal de companhia

1 - Para efeitos no disposto neste título, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia.

2 – O disposto no número anterior não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agro-industrial, assim como não se aplica a factos relacionados com a utilização para fins de espectáculo comercial ou outros fins legalmente previstos.”
 
Artigo 2º - Alteração à Lei nº 92/95, de 12 de setembro
São alterados os artigos 8º, 9º e 10º da Lei 92/95, de 12 de setembro, sobre protecção aos animais, alterada pela lei nº 19/2002, de 31 de julho, que passam a ter a seguinte redacção 

“Artigo 8º
[…]

Para efeitos da presente lei considera-se animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia 

Artigo 9º

As associações zoófilas legalmente constituídas têm legitimidade para requerer a todas as autoridades e tribunais as medidas preventivas e urgentes necessárias e adequadas para evitar violações em curso ou iminentes da presente lei.
 
 
Artigo 10º

1 – As associações zoófilas podem constituir-se assistentes em todos os processos originados ou relacionados com a violação da presente lei e ficam dispensados de pagamento de custas e taxa de justiça, beneficiando do regime previsto na Lei nº 83/95, de 31 de agosto, com as necessárias adaptações

2 – Às associações zoófilas pode ser atríbuido o estatuto das organizações não-governamentais do ambiente, nos termos previstos na Lei nº35/98, de 18 de julho.
 
 
Artigo 3º - Alterações sistemáticas
Os artigos 9º e 10º da Lei nº 92/95, d 12 de Setembro, alterada pela lei nº19/2002, de 31 de julho e pela presente lei, passam a integrar o capítulo IV, com a designação “Associações zoófilas”
 
 
Artigo 4º - Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do 2º mês seguinte ao da sua publicação 

(transposição do texto do ofício nº871/XII/1ª- CACDLG/2014, DE 25-07-2014)


 
Anabela Santos Moreira
27 Julho 2014
 
 
 

 

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