sábado, 5 de julho de 2014

" The LINK "


Tomei conhecimento da ligação entre crueldade animal, abuso de menores, violência doméstica e abuso de idosos durante a avaliação psicológica num caso de abuso sexual de um menor. O rapaz estava mudo de pânico, até lhe ser perguntado se havia animais na casa. Depois de começar a falar acerca do que tinha acontecido ao cão, conseguiu revelar o que tinha acontecido com ele. A presença do cão foi verificada e usada como evidência e o caso foi julgado com sucesso”* (Barbara W. Boat).
Esta experiência é relatada no prólogo do manual “Understanding the Link between Violence to Animals and People: AGuidebook for Criminal Justice Professionals”, de Allie Phillips da National District Attorney Association (NDAA) e publicado em Junho 2014.
Na continuação do prólogo, Barbara Boat refere ainda que nos últimos 25 anos tem havido um enorme progresso neste campo listando alguns pontos e actuações que têm contribuído para esse progresso. De notar que em Portugal, tanto quanto é dado a conhecer ao cidadão comum, nenhuma das “conquistas” referidas são sequer motivo de discussão, seja na esfera pública seja na científica, nem mesmo através de campanhas de divulgação.
 
O que é o Link?
O Link (elo/relação/ligação) é uma expressão que, quando usada no contexto do mau trato animal, se refere à ligação entre vários tipos de violência e mau trato, independentemente do tipo de vítima. A expressão anglo-saxónica é actualmente utilizada universalmente mesmo em comunidades/países em que o inglês não é a língua materna.
O Link é relação que se pode traçar entre a ocorrência de abuso ou negligência sobre um animal (incluindo agressão sexual, lutas e acumulação) e outros crimes no contexto familiar tais como negligência e abuso de menores (incluindo abuso sexual e físico), violência nas relações de intimidade (incluindo stalking e violação), negligência e abuso de idosos (incluindo exploração financeira).*
No entanto o Link não se esgota na esfera familiar. A violência interpessoal e outro tipo de crimes também estão incluídos nesta relação nomeadamente homicídio, armas ilegais, drogas ilícitas, fogo posto, violação, assaltos.
 
Em Portugal devido à aproximação da votação, na Assembleia da República, de legislação que pretende instituir a criminalização do Mau Trato Animal (Portugal é dos poucos países da UE em que o Mau Trato Animal não é crime, é apenas delito sujeito a contra-ordenação) assiste-se a uma discussão mais alargada do assunto, e não é raro encontrar-se comentários, nas redes sociais e nas notícias dos órgãos de comunicação social, que denotam surpresa e algum desagrado acerca destas medidas, aparentemente duras, já que se trata “apenas de um animal”.
Este tipo de justificação ou argumento não é actualmente aceitável, não só porque os animais são seres sencientes, sentindo dor, fome, sede, frio, alegria, tristeza, medo mas também porque o mau trato dos animais faz parte de um continuum de violência que inclui os seres humanos.
 
É necessário que o mau trato animal seja levado a sério, não só pelo dever que os humanos têm de proporcionar as melhores condições a seres sencientes que são dependentes deles devido à domesticação, mas também porque, quando existe, é um factor de risco para outras situações de abuso e de violência futura.
 
Anabela Santos Moreira
5 Julho 2014
 


* Phillips, A., “Understanding the Link between Violence to Animals and People: A Guidebook for Criminal Justice Professionals”, 2014, National District Attorney Association

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