terça-feira, 29 de julho de 2014

Condição Corporal - da Negligência à Crueldade

     A Condição Corporal é um dos pontos que deve sempre fazer parte da avaliação de um animal sujeito ou suspeito de ser ou ter sido sujeito a maus tratos.

É normalmente uma avaliação empírica, com apreciação visual externa do animal e que dá uma ideia geral se está com um “peso normal", ou pelo contrário está "magro" ou "gordo". Esta avaliação não é um instrumento exclusivo da área forense, mas é de grande utilidade principalmente quando se está a instruir um caso onde há suspeita de mau trato e/ou negligência continuadas.
De notar, no entanto, que nem sempre uma condição corporal anormal é sinónimo de mau trato, pode ser devida a uma condição médica e não a uma alimentação imprópria, em qualidade ou em quantidade. Por outro lado a utilização apenas do peso do animal pode não ser descritivo do seu estado uma vez que, tal como nos humanos, o peso por si só é pouco discriminativo. 

Uma forma rápida de avaliar a Condição Corporal é através de Escalas. Existem escalas para cada espécie animal e para a mesma espécie podem existir vários tipos. Em termos gerais as escalas pontuam a condição corporal de um animal consoante diversas características observadas, em que num extremo está uma condição corporal de extraordinária magreza (pontuação mais baixa da escala) e no extremo oposto a obesidade (pontuação mais alta na escala), representando o ponto médio uma condição normal (ver separador “Ligações Úteis”).
Deve haver cuidado na aplicação das escalas já que, para a mesma espécie, a existência de uma grande variedade de raças com conformações corporais diferentes pode levar a uma avaliação errada da condição corporal. Há ainda que ter em atenção outros factos, como por exemplo o tamanho do pêlo, em animais de pêlo curto uma inspecção visual poderá ser suficiente, mas o mesmo pode não acontecer com animais de pêlo comprido, tornando-se necessário palpar o animal de modo a que a atribuição da pontuação seja correcta. Nos casos em que os animais apresentem o pêlo mal tratado e emaranhado, muitas vezes torna-se necessária a tosquia antes da avaliação definitiva.
Embora tabelas com as escalas sejam uma ajuda visual bastante grande, a sua apresentação deve ser sempre complementar a uma descrição cuidada e detalhada da condição corporal do animal, quando da realização do relatório Médico Legal Veterinário (Clínico ou Tanatológico). 


Nas sociedades ocidentais, o resultado mais comum de mal nutrição em animais domésticos de companhia é a obesidade. Não levando em conta causas médicas, muitas vezes esta condição é devida a uma falta de informação do detentor/cuidador sobre as necessidades nutricionais do animal tendo em atenção a sua raça, idade, actividade, etc.
Sabendo que a obesidade é um factor de risco para inúmeras doenças, que é muitas vezes impeditiva de actividades normais à espécie e que não depende do animal a escolha de alimentos que ingere, a obesidade em animais de companhia começa a ser considerado actualmente como uma forma de negligência.
No entanto para ser considerado passível de acção legal é necessário qe estejam reunidos alguns factores, nomeadamente que o detentor/cuidador tenha sido informado dos riscos para a saúde do animal associados a uma dieta desadequada, tenha havido falha no compromisso de seguir um plano de reequilíbrio da condição do animal e, o mais importante, o sofrimento que o animal tem/teve devido à sua condição e à falta de aderência ao plano estabelecido pelo detentor/cuidador. 


No outro extremo da escala de condição corporal encontra-se o estado de emaciação (extrema magreza). De realçar mais uma vez que nem sempre esta condição corporal é devida a uma alimentação desadequada, sendo assim importante saber quais as causas, excluindo as relacionadas com doenças.
Em casos de negligência, em que a única causa para o estado emaciado do animal é uma dieta desadequada, torna-se útil e quase indispensável fazer a documentação da melhoria da condição corporal ao longo do tempo após ser oferecida ao animal uma dieta equilibrada, em quantidade e qualidade, e sem necessidade de grande intervenção médica.
Uma dieta pode ser desequilibrada por vários motivos onde se inclui a privação de alimento ou alimentação intermitente, mas também pela falta de qualidade ou por ser inadequada para a espécie/faixa etária. Embora possa parecer de pouca relevância o detalhe destes factos, na verdade, para um processo legal, depende muitas vezes dele o veredicto e a medida da pena. Assim é importante num caso, por exemplo, de busca e apreensão que durante a análise do local sejam documentadas as evidências que possam corroborar ou excluir a causa da desadequação da dieta.
Quando existe privação de ingestão de alimento o corpo vai tentando equilibrar esta falta com a utilização das suas reservas. O desaparecimento do tecido adiposo (gordura) é o sinal mais visível exteriormente, começando por desaparecer em “zonas de reserva” mas, no caso da situação persistir, pode chegar a haver uma diminuição dramática da gordura até da medula óssea. No entanto antes de chegar a este ponto já outros órgãos e músculos foram lesados e a morte pode sobrevir sem que tenham sido atingidos patamares visíveis de subnutrição extremos.
No entanto, convém ter em atenção que apesar de um animal poder morrer antes das suas reservas terem sido esgotadas, quando há uma diminuição da gordura da medula óssea é normalmente um indício de má nutrição e essa evidência pode ser apreciada em exames histopatológicos posmortem, mesmo que o cadáver esteja em adiantado estado de decomposição que impeça todos os outros métodos de avaliação.
Apesar da evidenciação de uma fraca condição corporal não ser visualmente difícil, deve ser sempre suportada e realçada pela referência à dor e sofrimento experienciado pelo animal durante o processo, que normalmente é longo.

 
 
Como referido antes, no caso da vítima estar viva, a documentação da sua recuperação ao longo do tempo é um factor de impacto importante e deve ser providenciada documentação fotográfica que possa ilustrar essa recuperação. “Uma imagem vale mais do que mil palavras”, e embora um caso de negligência não se possa fundamentar apenas em imagens “antes e depois”, elas são, sem dúvida, uma belíssima ilustração para os factos relatados.
  
Anabela Santos Moreira
     29 Julho 2014
   
Fontes fotográficas:
     OBIE, o cão obeso


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